Inclusão Digital e Software Livre

São muitas as transformaçõoes ocorridas na sociedade contemporânea, as quais se configuram num traço marcante da atualidade. Tal característica se evidencia nos diversos ramos da sociedade: político, econômico, social, cultural e também no tecnológico, já que vivemos na era das comunicações. Aliado a esse contexto, o Brasil tem questões gritantes que ainda precisam ser solucionadas - fome, miséria, violência, educação, saúde, e o desemprego - são problemas que persistem e estão longe de serem completamente resolvidos.

Infelizmente, a cada dia, aumenta a desigualdade social: a distância financeira, cultural, política, educacional...aumenta entre ricos e pobres, separando os que têm oportunidades dos que têm poucas chances na vida. Daí, seria irônico ou até mesmo contraditório pensarmos num processo de Inclusão digital num país com tantas lacunas? numa sociedade que está excluída de diversos serviços e direitos básicos? trata-se de uma necessidade exigida pela própria realidade social ou de mais um engôdo a fim de entusiasmar os indivíduos e tirar-lhes a atenção das reais necessidades sociais? Temos aí algumas questões bastantes relevantes, as quais não tenho a pretensão de dar respostas devido ao grau de complexidade que possuem, todavia são questionamentos que servirão como fio condutor da reflexão.

A revolução informacional se expandiu nos anos 70 e 80, ganhando força nos anos 90 com a propagação da Internet. Segundo Sérgio Amadeu (2001) trata-se de uma revolução, pois a informatização se inseriu na sociedade de tal forma que remodelou a vida das cidades. O computador, símbolo da nova revolução, ligado em rede está modificando a relação das pessoas com o tempo e com o espaço. Desta maneira, não podemos desconsiderar essa realidade: o computador em rede atualmente tem sido um instrumento vital da comunicação, da economia e da gestão do poder, portanto é impossível nos desvincular desse fato, pois a revolução tecnológica é algo real e está afetando a vida das pessoas. Cada dia que passa a organização da economia e do trabalho no mundo é mediada por computadores e pela comunicação em rede, por isso a necessidade de todas as camadas sociais se qualificarem a fim de estarem aptas a acompanhar o desenvolvimento das tecnologias intelectuais. “ A pobreza não será reduzida com cestas básicas, mas com a construção de coletivos sociais inteligentes capazes de qualificar pessoas para a nova economia e para as novas formas de sociabilidade, permitindo que utilizem as ferramentas de compartilhamento de conhecimento para exigir direitos, alargar a cidadania e melhoar as condições de vida” (SILVEIRA, 2001 p.21 ).

Apesar dessa revolução ser um fenômeno crescente em nossa sociedade, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD 2001 (NERI, 2003), mostram que ainda estamos longe de alcançar a maioria dos brasileiros, pois apenas 12,46% da população dispõe de computador em casa e menos ainda têm acesso à internet - somente 8,31% da população brasileira. Um outro dado interessante, apresentado também no Mapa da Exclusão Digital, é que o acesso a computador e internet tem relação diretamente proporcional à taxa de escolaridade – quanto mais anos de estudos mais acesso, quanto menos anos de estudo menos acesso. Assim, é possível perceber que aqueles que têm baixa escolaridade, péssimas condições de vida, precariedade na saúde e educação - os excluídos sociais são também os excluídos digitais, ou seja, aqueles que não têm acesso a computadores e estão à margem da sociedade da informação 1.

Independentemente dos motivos que levam a esse baixo índice de conectividade, o contexto contemporâneo está evidenciando a necessidade das pessoas se adequarem à nova realidade. A revolução tecnológica em curso dá grande relevância à informação e se os grupos sociais menos favorecidos não souberem manipular, analisar e lidar com ela (a informação) ficarão à margem da produção de conhecimento, conseqüentemente agravarão a sua condição de miséria. Para tanto, “O acesso à rede é apenas um pequeno passo, embora vital, que precisa ser dado” (SILVEIRA, 2001 p. 21). É notório que as pessoas conectadas em rede são privilegiadas por terem acesso ao universo de informações disponíveis, conseqüetemente estimulam à criatividade, curiosidade, o conhecimento; daí a necessidade de favorecer o acesso aos excluídos a fim de que eles também possam desenvolver potenciais e se inserirem na sociedade da informação. Esse processo é vital para o desenvolvimento sócio-econômico, político e cultural da nação, além de ser uma questão de cidadania. Porém não é o suficiente, pois o acesso à rede não garante a resolução dos problemas sociais e nem tem essa intenção: trata-se de assegurar o direito ao acesso àqueles que são desprovidos de muitos direitos básicos, contribuíndo assim para a construção de uma sociedade inclusiva e cidadã.

Desta maneira, a inclusão digital poderá contribuir para a formação de sujeitos autônomos e conscientes, capazes de contribuir na construção de uma sociedade menos desigual e mais justa na medida que extrapolar o conceito da alfabetização digital (construção de habilidades práticas para o manuseio das máquinas). Trata-se de um passo que precisa ser dado e se configura no processo de fornecer ao indivíduo, a partir do acesso às tecnologias, a oportunidade de construir competências não só técnicas, mas principalmente cognitivas que lhe permitam vivenciar a interatividade, as comunidades de aprendizagem colaborativas, como forma de construir conhecimento referente ao seu contexto político, social e econômico considerando seu universo cultural. Então baseado no conceito de Inclusão Digital introduzido por Bonilla 2002 (o qual para ela Inclusão digital é um processo complexo que se dá a partir da capacidade que o indivíduo possue de participar, questionar, interagir, produzir, decidir, transformar) é possível afirmar que o indivíduo incluído digitalmente poderá ser um ator social capaz de inteferir, desconstruir e reconstruir, participar, interagir, decidir e questionar sobre sua realidade. Contudo, considerando a complexidade inerente a esse processo e as mazelas sociais existentes, não é difícil concluir que oportunizar o acesso às tecnologias contemporâneas - na perspectiva da Inclusão digital - às camadas sociais menos favorecidas é tarefa árdua, a qual se tornará viável a partir de uma forte mobilização social, incluindo aí políticas públicas consistentes, com debates sobre o assunto, iniciativas privadas, participação das comunidades. e principalmente vontade e ação política.

Felizmente nos dias atuais se tem discutido muito sobre a questão da Inclusão digital. O governo brasileiro anunciou que 2005 será o ano da Inclusão digital, e o orçamento geral da União reservou para este ano R$ 204 milhões para este propósito (MAGALHÃES, 2005). Paralelo à essa discussão sabemos que houve um movimento que começou nos anos de 1980 e vem ganhando espaço no Brasil nos últimos anos: o movimento pelo uso do software livre o qual têm feito parte da pauta de discussões do governo atual. Sabe-se que os R$ 204 milhões serão reservados para a criação de mil tele-centros, conhecidos como “Casa Brasil”, eles terão computadores com acesso à internet, pontos de cultura, e rádios comunitárias numa mesma localidade; existe ainda o projeto “PC Conectado” através do qual o Planalto estará oportunizando à famílias que ganhem acima de cinco salários mínimosa possibilidade de comprar computadores robustos por apenas cinqüenta reais mensais e tem também a medida que prevê o aumento do número de escolas públicas conectadas à internet.

Outras ações demonstram o interesse do governo pelo uso do Software livre: criação das Diretrizes, Objetivos e Ações Prioritárias conforme a Oficina de Planejamento Estratégico do Comitê Técnico para a implementação de Software Livre no geverno federal (PORTAL DO GOVERNO) os quais foram debatidos e aprovados pelo Comitê Técnico de Implementação do Software Livre, coordenado pelo ITI - Instituto Nacional de Tecnologia da Informação da Casa Civil da Presidência da República; financiamentos para projetos de pesquisa e desenvolvimento com inovação tecnológica em Software livre, criação de Frente Parlamentar em defesa do Software livre, assim como a parceria do geverno federal com a IBM para disseminar a adoção de programas livres (PINHEIRO, 2004) e o GESAC – programa de inclusão digital via satélite, do Ministério das Comunicações que pretende ampliar a base de uso de Software Livre em sua rede ao longo do ano, seguindo a política do governo Lula de estimular o uso de tecnologias abertas como forma de inclusão digital (PORTAL DO GOVERNO). O próprio governo lançou um portal na internet a fim de incentivar a adoção, pela adimistração pública federal, de softwares livres, pois sua intenção é estimular a adoção e a produção da indústria de programas abertos como instrumento de fortalecimento da indústria nacional, inclusão digital, integração de sistemas e geração de emprego e renda.

O software livre é um programa de computador baseado na concepção de liberdade e compartilhamento do conhecimento. Possui quatro liberdades: de uso, cópia, modificação e redistribuição, ou seja, não precisa comprar licença para uso, o que permite copiá-lo e redistribuí-lo, não possue o código-fonte fechado, o que possibilita fazer modificações. Ele surge como uma reação dos desenvolvedores ao poder das mega-empresas que vivem da exploração de licenças de uso e do controle monopolístico dos códigos-fontes; ele veio então da necessidade de abandonarmos o antigo papel de meros usuários da tecnologia para começarmos a desenvolvê-la e usá-la para o bem de todos. “ Software livre significa liberdade, não de preço, mas de uso. É a possilidade de adequar e desenvolver tecnologia que interesse ao país, de uma forma muito mais econômica, e de estimular a produção e a troca de conhecimento em todas as instâncias da sociedade” ( PINHEIRO, 2004 p. 7).

Estima-se que mais de 20 milhões de pessoas no planeta estejam utilizando softwares livres e o interesse é ampliá-los por ser considerado uma saída de ordem econômica, política e social para os países em desenvolvimento. Vêm sendo considerados como uma alternativa viável para a implementação do processo de Inclusão digital, já que possibilitará o acesso às tecnologias com um custo mais baixo, formentará o desenvolvimento tecnológico do país, assim como sua autonomia tecnológica. Marcelo Branco um dos coordenadores do projeto de Software livre no Brasil, citado por SILVEIRA (2004 p. 39) disse: “Nosso mercado de informática atinge somente 4% da população. Mesmo assim, nos damos ao luxo de enviar US$ 1 bi de royalites de software proprietários. Para reverter isso, o caminho é o Software livre.”

No Brasil, muitas são as iniciativas direcionadas à Inclusão digital via adoção de programas livres, promovidas pelas universidades, empresas e o parlamento. A exemplo desse fato é possível constatar uma iniciativa local voltada para a disseminação e fortalecimento da adoção de Softwares Livres, a qual está sendo promovida pela UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA, especificamente na FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED. A fim de acompanhar o movimento naciomal e do governo, a direção da Faculdade adotou como uma política institucional o processo de implementação do Software Livre que começou no ano de 2003 com a inauguração dos Tabuleiros Digitais2, continuou com a migração dos sistemas proprietários para os programas livres no laboratório de informática, e gradativamente nas salas dos professores, funcionários e grupos de pesquisa; processo o qual ainda está em andamento. Recebe o apoio das pessoas do Projeto Software Livre – PSL - BA, dos alunos de Ciência da Computação da própria Universidade e do Grupo de Administradores Voluntários da Rede de Informática – GAVRI-IM,um grupo inicialmente formado apenas por alunos voluntários de computação e alguns alunos de matemática do IM/UFBA. Esse processo ainda não é de consenso de todos da comunidade acadêmica, todavia algumas ações estão sendo pensadas a fim de ampliar as discussões e sensibilizar alunos, professores, e funcionários acerca do Software Livre, da Inclusão digital e de suas implicações.

Ter acesso às novas tecnologias e abrir as portas do universo da informação é o primeiro passo para combater a exclusão digital. Assegurar o acesso às classes socialmente excluídas é uma estratégia imprescindível para a construção de uma sociedade inclusiva. Pensar na efetivção desse processo é tomar consciência da necessidade de adoção dos programas livres, pois os custos de aquisição deles são bem menores, sua concepção vislumbra a liberdade de produção e compartilhamento do conhecimento e o desenvolvimento e a independência tecnológica nacional, o que implica em melhoria da conjuntura sociocultural e econômica do país. É contraditório pensar que numa sociedade da informação exista o monopólio de informação quando deveria se ter o compartilhamento da informação, pois “ o movimento pelo software livre é uma evidência de que a sociedade da informação pode ser a sociedade do compartilhamento. Trata-se de uma opção”. (SILVEIRA, 2004 P.74)

Referências Bibliográficas:

BONILLA, Maria Helena. Inclusão digital e formação de professores. Revista de Educação, Lisboa. 2002.

CARTILHA DE SOFTWARE LIVRE. http://twiki.im.ufba.br/bin/view/PSL/CartilhaSL

GAVRI, Grupo de Administradores Voluntários da Rede de Informática . Disponível em: <http://twiki.im.ufba.br/bin/view/GAVRI>. Acessado em: 01 mar. 2005

GOUVÉIA, Luís Manoel Borges. Sociedade da Informação: Notas de contribuição para uma definição operacional. Disponível em: <http://www2.ufp.pt/~lmbg/reserva/lbg_socinformacao04.pdf>. Acessado em 01 abr. 2005

MAGALHÃES, João. Governo diz que 2005 será o ano da inclusão digital. Disponível <http://www.estadao.com.br/rss/tecnologia/2005/fev/12/4.htm- >. Acessado em: maio. 2005

NERI, Macedo Côrtes (coord.). Mapa da Exclusão Digital . Disponível em:<http://www2.fgv.br/ibre/cps/mapa_exclusao/apresentacao/apresentacao.htm> Acessado em: 18 mai 2005

PINHEIRO, Walter. Software Livre : A liberdade chegou! Trabalho do Deputado Walter Pinheiro (PT/BA) sobre o uso do Software Livre no Brasil.Centro de Documentação e Informação, Coordenação de Publicações. Brasília, 2004.

PORTAL DO GOVERNO. Disponível em: <http://www.softwarelivre.gov.br/>. Acessado em: 01 mar. 2005.

SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Exclusão Digital: a miséria na era da informação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.

SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Software livre: a luta pela liberdade do conhecimento. São paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.

TABULEIRO DIGITAL. Disponível em: <http://twiki.im.ufba.br/bin/view/Tabuleiro/WebHome> Acessado em: 01 mar. 2005.

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