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Memória perdida

NELSON PRETTO - diretor da Faculdade de Educação da UFBA - www.pretto.info

Temos verdadeira fascinação pelas imagens. Desde muito antes da fotografia, a humanidade sente a necessidade e o prazer de registrar a natureza, os momentos familiares, sociais e políticos em pinturas, as quais revelam verdadeiras preciosidades expostas em museus no mundo todo.

O advento da fotografia, no século XIX, suscitou uma enorme discussão porque, parecia, seria o fim da pintura.

É memorável a fala do artista Paul Delarouche, ao sair da sessão da Academia de Ciência, em Paris, no ano de 1839, quando Daguere apresentou a máquina de fotografar: “Hoje, a pintura morreu”.

Qual nada! Ela continua forte e com enorme importância para a nossa vida.

A fotografia, no entanto, ganhou destaque, passando de mera reprodução técnica da realidade para se constituir, efetivamente, também ela, como arte.

Tão importante quanto os grandes pintores, temos, hoje, fotógrafos que são verdadeiros artistas da imagem.

Mas, foi no âmbito do privado que a fotografia avançou e se consolidou como um importante elemento da nossa memória, desde as primeiras imagens com a “câmera escura” até as máquinas de filmes, passando pelos lambe-lambes, que engrandeciam as praças e esquinas de nossas cidades.

Esses registros, muitas vezes já amarelados pelo tempo, bem ou mal guardados, consubstanciam uma espécie de memória histórica do nosso cotidiano.

Com a fotografia digital, inclusive nos celulares, a sociedade passou a fotografar como nunca, e produziu novos hábitos. Por exemplo, mudou a forma como segurarmos as máquinas, que ficarammuito menores e estão em todos os lugares.

No ano passado, foram vendidos dois milhões delas, o dobro de 2004 e, para 2007, prevê-se que quase 20% dos lares brasileiros terão pelo menos uma câmera digital. Em 2005, no Brasil, as vendas das digitais superaram, pela primeira vez, as máquinas com filme.

Surge, agora, um novo problema: o que fazer com todas essas imagens digitais? Passar para o computador não é lá tão difícil, mas não podemos dizer que essa seja uma simples tarefa. O que se configura, nesse breve tempo das imagens digitais, é que, com os constantes problemas nos computadores pessoais, uma grande quantidade delas vem sendo perdida. Desse modo, grande parte das imagens do nosso tempo pode, quem sabe, definitivamente desaparecer e, com elas, se vai um pedaço de nossa história.

Vale dizer, corremos o risco de vivenciarmos, em breve, uma espécie de apagão da nossa memória histórica pessoal e coletiva, que venha a comprometer os registros fotográficos de uma ou duas gerações.

A facilidade das máquinas digitais, ao contrário do que sugere num primeiro momento, pode configurar um grande vazio imagético para o nosso início de milênio.

Coisas deste tempo que traz novidades maravilhosas, mas que nos dão um fenomenal trabalho de aprendizagem.

Jornal A Tarde, de 21/06/2006, pag. 03.


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